Paula Rego
O Decote Da Dama De Espadas
Adília Lopes
As duas irmãs e a puma
(fábula imitada da adivinha
duas mães e duas filhas foram á missa com três mantilhas)
As duas irmãs passeavam ao
domingo
pela avenida
com os seus dois melhores
chapéus
que eram iguais e tinham duas
plumas
quando lhes saltou e cima um
puma
as duas irmãs como eram muito
espertas
gritaram ao puma
coma as quatro plumas dos
nossos dois chapéus
a ver se ele comia só a elas e
aos chapéus
e se deixava as quatro plumas
mas o puma como era muito mau
começou por comer uma pluma de
cada chapéu
a sobremesa estragou o apetite
para o lanche,
disse o puma às duas irmãs
e as duas irmãs voltaram para
casa
com os dois chapéus de duas
plumas
sem duas plumas.
Os cães
A menina parecia-se com a
vestal de uma estela funerária que há nessa cidade e que tem roupas, embora de
pedra, finíssimas. Passava, pela mão de mãe, pela orla do terreiro, no ar denso
de trovoada.
Esse terreiro onde se armavam
as barracas da feira, agora deserto, varrido com ferocidade pelo vento, na hora
nefasta do meio-dia, hora em que é perigoso passar debaixo de certas árvores ou
contemplar as fontes, tem apenas alguns troncos coco ossos de que brotam cotos
carecas.
Dos arredores vinham um cheiro
acre a queimadas que invadia as casas de mistura com as películas de cinza como
si um grande fogo de aqueles que abatem uma a uma as árvores) rondasse a
povoação.
Na areia eriçada e vermelha
como pêlo, que as rajadas levantaram e atiravam para longe aos punhados, dos
cães rodopiavam voltejando e esponjando-se, colados um ao outro, pardos e rafeiros.
Os granidos de um dos cães
feriam o ar cinzento e abstruso como se lhe estivessem a fazer mal. Amenina,
aflita, gritou à mãe:
- O outro vai matá-lo!
Mas a mãe, embaraçada, calo-a:
-Não. É um cão e uma cadela.
Não olhes para lá.
Então a menina tapou os
ouvidos.
No more tears
Quantas vezes me fechei para
chorar
na casa de banho de minha avó
lavava os olhos com shampo
depois acabaram os shampoos
que fazia arder os olhos
no more tears disse Jonshon
& Jonshon
as mães são filhas das filhas
e as filhas são mães das mães
uma mãe lava a cabeça da outra
e todas têm cabeças de crianças
loiras
para chorar não podemos usar
mais shampoo
e eu gostava de chorar a fio
e chorava
sem um desgosto sem uma dor sem
um lenço
sem uma lágrima
fechada à chave na casa de
banho
de casa de minha avó
onde além de mim só estava eu
também me fechava na
guarda-vestidos grande
mas um guarda-vestidos não se
pode fechar por dentro
nunca ninguém viu um vestido a
chorar.
El
escote de la Dama de Espadas
Las
dos hermanas y el puma
(Fabula imitada de la adivina de
las dos madres y las dos hijas que fueron a misa con tres mantillas)
Las dos hermanas paseaban el
domingo
Por la avenida
Con sus mejores sombreros
Que eran iguales y tenían dos
plumas
Cuando les saltó encima el puma
Las dos hermanas como eran muy
listas
Gritaron al puma
Come las cuatro plumas de nuestros
dos sombreros
Para ver si él se comía a ellas o a
los sombreros
Y dejaba las cuatro plumas
Pero el puma como era muy malo
Comenzó a comer una pluma de cada
sombrero
El postre estropeo el apetito de la
merienda,
Dice el puma a las dos hermanas
Y las dos hermanas regresaron a
casa
Con los dos sombreros de dos plumas
Sin dos plumas.
Los
perros
La niña se parecía a una virgen
como esas estelas fúnebres que hay en la ciudad y que tienen ropas, aunque son
de piedra, finísimas.
Pasaba, dela mano de su madre, por
el margen del terreno, en el aire denso de la tormenta.
Ese terreno donde se armaban las
tiendas de la feria, ahora desierto, barrido por la ferocidad del viento, en la
hora nefasta del mediodía, hora en que es peligroso pasar debajo de ciertos
árboles o contemplar las fuentes, tienen algunos troncos con cocos como huesos
que brotan de mástiles calvos.
De los alrededores venia un olor
acre, a quemado que invadía y se mezclaba en las casas como una película de
ceniza, como si un incendio de aquellos que queman uno a uno los árboles,
rondase la población.
En la arena erizada y bermeja como
cabello, que las ráfagas levantaban y lanzaban lejos a puñados, dos perros
giraban y giraban esponjándose, pegados el uno al otro, pardos y vulgares.
Los ladridos de uno de los perros
herían el aire gris y profundo, como si le estuvieran a hacer daño.
La niña, afligida, le gritó a la
mamá:
- ¡El otro lo va a matar!
Pero la madre, embarazada, la
calló.
Entonces la niña se tapó los oídos.
No
more tears
Cuántas veces me encerré para
llorar
En la casa de baño de mi abuela
Lavaba los ojos con shampo
Después acabaron los sampoos
Que hacían arder los ojos
No more tears dice Jonshon &
jonshon
Las madres son hijas de las hijas
Y las hijas son madres de las
madres
Una madre lava la cabeza a la otra
Y todas tienen cabezas de niñas
rubias
Para llorar no podemos usar más
shampoo
Y yo gusto llorar copiosamente
Y lloraba
Sin un disgusto sin un dolor y sin
pañuelo
Sin una lagrima
Encerrada con llave en el baño
En la casa de mi abuela
Donde además de mi estaba yo
También me encerraba en el ropero
grande
Pero en un ropero no se puede
cerrar por dentro
Nunca nadie vio un vestido llorar.
Adília Lopes, pseudónimo
literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, nasceu em Lisboa,
em 1960. Frequentou a licenciatura em Física, na Universidade de Lisboa, que
viria a abandonar quando já estava prestes a completá-la. Começa a publicar a
sua poesia no Anuário de Poetas não Publicados da Assírio & Alvim, em 1984.
Adília Lopes, poetisa,
cronista e tradutora, é o pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana
Fidalgo de Oliveira, nascida em Lisboa em 1960.
Tem vivido sempre na
mesma casa, em Lisboa, habitada pela família da sua mãe desde 1916.
Adília Lopes está
traduzida em castelhano, italiano, francês, inglês, servo-croata, alemão e
holandês.
Adília Lopes é hoje uma
das mais importantes poetisas portuguesas. Conduz a poesia para casos corriqueiros
e situações quotidianas, tratadas com ironia, candura e crueza, inteligência e
intencionalidade.